A Lei 13.964 fez uma série de alterações no sistema de justiça criminal e da legislação penal. Apesar do foco das atenções ser a criação do “juiz das garantias”, a normativa aglutina outras mudanças que tem provocado polêmica como o aumento da pena máxima de 30 para 40 anos.
Uma dessas alterações polêmicas é a que trata o crime de estelionato. O delito passou de uma ação penal pública incondicionada — promovida por denúncia do Ministério Público — para ser uma ação penal pública condicionada à representação.
A nova lei mantém, contudo, o estelionato como uma ação penal pública incondicionada nos casos em que ele for praticado contra a administração pública de forma direta ou indireta, contra crianças e adolescentes, pessoas com deficiência mental ou maior de 70 anos de idade ou incapaz.
A ConJur ouviu especialistas na matéria. Alguns enxergam fatores positivos na mudança e outros acreditam que as alterações não cumprem com o espírito de uma lei que é apregoada como uma verdadeira revolução no combate ao crime.
Para o promotor de Justiça em Minas Gerais André Luis Melo, a mudança prejudica o combate ao estelionato pois esse delito é, por natureza, mais difícil de ser provado. “No cotidiano há mais golpes, estelionatos, porém há mais processos por furtos por serem mais fáceis de serem provados”, diz. Segundo ele, quem tem “tendência a cometer crimes e recebe ensino formal muda de furto para estelionato, não deixam de cometer crimes como se imagina”.
Para o criminalista Welington Arruda, a mudança parece irrazoável e descabida. “A polícia não poderá investigar delitos de estelionato sem que haja a formal representação da vítima, exatamente como ocorre hoje com delitos de injúria, por exemplo. Polícias judiciárias do Brasil inteiro investigam inúmeros casos de estelionato, que é um crime ardil, complexo e em muitos casos, inclusive, a vítima sequer sabe que foi vítima. Considerando que em várias situações a vítima não sabe nem que foi vítima, como esperar que esta represente formalmente pela investigação?”, argumenta.
O advogado Gustavo Polido, no entanto, enxerga pontos positivos na medida. “Com a inclusão do parágrafo quinto no artigo 171 do CP, temos que há demonstração de redução da intervenção estatal em algumas condutas que podem, a depender da vontade do particular (representação para fins penais), tornarem-se objeto de tutela estatal. Tal inclusão, a meu ver, representa evolução no sentido de tornar o estado menos paternalista, como já se dá em alguns países”, comenta.
A possível participação maior da vítima no processo também é encarada como um fator positivo pelo advogado Matheus Freitas. “Por experiência própria, em crimes de estelionato, quando a vítima me procura eu oriento que seja feita uma notícia crime para ajudar na elucidação do delito. Essa notícia crime nada mais é do uma peça inaugural relatando para a polícia ou para o Ministério Público a ocorrência do estelionato. Como o volume de infrações dessa natureza é muito grande, a demonstração, por parte do ofendido, no interesse de perseguir criminalmente o infrator é salutar pois ajuda a desafogar o judiciário”, argumenta.
Já para o criminalista Ângelo Carbone, a medida pode trazer problemas para a vítima que for denunciar o crime. “O problema de abrir uma representação como essa é que se o crime não for comprovado você pode responder por falsa acusação de crime acumulada com uma possível ação indenizatória”, diz.
Ele também cita a fraude com cartão de crédito como um dos crimes cujo combate pode ser atrapalhado pelas novas regras. “Esse crime é enquadrado como estelionato. O problema é que é muito difícil localizar quem cometeu esse delito. O fundamental aqui não é achar esse infrator, mas entrar com uma ação contra o banco para que ele restitua esse valor. Um banco que deixa que sejam instalados equipamentos de clonagem nos caixas eletrônicos não tomou os cuidados necessários”, explica.
“Como uma pessoa que leva um golpe de estelionato tem estrutura de fazer um procedimento criminal. Ele vai ter que contratar um advogado para ele abrir um inquérito. Acredito que o Estado está renunciando a uma obrigação. O estelionatário é um criminoso que muitas vezes escolhe as pessoas mais simples. Isso que muitas vezes o valor é baixo e o custo do advogado e da ação supera o do golpe. Isso não é justo. Essa lei não está bem estruturada e prejudica os mais humildes”, argumenta.
Fonte: ConJur